Ano I |
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DIREITO |
Obra do Prof. Dr. Nelson Hungria
Hoffbauer
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Nélson
Hungria Hoffbauer
Formou-se pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tornou-se Livre-docente em Direito Penal na mesma Universidade. Foi
autor do anteprojeto do Código Penal de 1940 (Decreto-lei
n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e um dos seus principais comentadores
(Comentários ao Código Penal, Revista Forense, Rio de Janeiro, publicados na
década de 1950). É conhecido pelo epíteto de Príncipe dos Penalistas
Brasileiros. Prof. Nelson Hungria Hoffbauer... Delegado de polícia Nelson voltou ao antigo Distrito Federal arrumando emprego de delegado de polícia. O pedido de demissão veio oito meses depois, quando ele ouviu alguns gritos ao entrar na delegacia. Chamou um soldado e constatou que ele fazia uso de palmatória e outros meios de tortura para obter confissões, que o chefe proibiu terminantemente. Os subordinados acataram a ordem, mas provocaram: "Belo gesto, só que aqui jamais se descobrirá qualquer crime." Quando foi preso pelo regime militar, um dos policiais desistiu de arrancar qualquer coisa do economista e perguntou: "Já que o senhor é considerado tão bom economista, se eu abrir uma indústria de leite de soja vou ter futuro?" Singer não lembra o que respondeu, mas foi, sem dúvida, "alguma coisa bem positiva, para agradá-lo". (Crônicas de um exemplo da Justiça) NÉLSON HUNGRIA E O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO
p/ Damásio de Jesus O crime de infanticídio encontra-se descrito no art. 123 do CP: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.” Pode ocorrer que terceiro realize o verbo típico ou concorra para a prática do crime. Surge a questão: o terceiro é autor ou partícipe de homicídio ou infanticídio? Trata-se de crime próprio, uma vez que somente a mãe pode ser sujeito ativo principal. Essa qualificação doutrinária, porém, não afasta a possibilidade da concorrência delituosa. A norma de extensão do art. 29, caput, 1.ª parte, do CP, reza: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Dessa forma, quem concorre para a prática do infanticídio deve submeter-se à sanção imposta. A solução, entretanto, nunca foi pacífica. O centro da discussão situa-se na questão da comunicabilidade da elementar “influência do estado puerperal”, nos termos do art. 30 (antigo art. 26 do CP): “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Transmitindo-se o elemento típico ao terceiro, responde por infanticídio; caso contrário, por homicídio. Na doutrina brasileira, adotavam o ponto de vista da comunicabilidade (infanticídio): Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento de Faria. Ensinavam que o partícipe deve responder por crime de homicídio: Nélson Hungria, Galdino Siqueira, Costa e Silva, Heleno Cláudio Fragoso, Salgado Martins e Aníbal Bruno. Atualmente, defendem a tese do infanticídio:
Paulo José da Costa Júnior, Delmanto & Delmanto, Luiz Regis Prado & Cezar
Roberto Bitencourt, Mirabete e Damásio. Dotado de fascinante cultura jurídica e conhecedor profundo da doutrina e da legislação estrangeira, especialmente a italiana e a suíça, Hungria era um brilhante expositor, notável crítico e argumentador insuperável. Na palavra de Roberto Lira, “uma culminância”. “Um homem em dia com a ciência de seu tempo”, como lembrava Heleno Cláudio Fragoso. Tornaram-se célebres os intermináveis debates doutrinários, principalmente com Magalhães Noronha, de quem costumava discordar em longas e acaloradas correspondências, algumas transcritas em seus Comentários. Nélson Hungria dificilmente mudava de opinião, sendo conhecido pela firmeza de suas posições. Mas, por volta de 1960, como nos confiou Heleno Cláudio Fragoso num encontro que tivemos no Rio de Janeiro, Hungria, já beirando a aposentadoria, passou a “ouvir mais”, alterando orientações apaixonadamente preservadas ao longo dos anos. Tanto que, membro da Comissão elaboradora do Anteprojeto de Código Penal de 1963, várias vezes surpreendeu seus pares aceitando teses contrárias ao seu pensamento ardorosamente exposto em suas obras. Foi o que aconteceu em relação ao tema do concurso de pessoas no infanticídio, em que modificou sua posição na última edição de sua obra, fato que passou despercebido da maioria da doutrina brasileira. Reconhecendo humildemente o engano e dando a mão à palmatória, adotou a tese da comunicabilidade na 5.ª edição dos Comentários: “Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código helvético (art. 26), é irrestrita (‘Les relations, qualités et circonstances personnelles spéciales dont l’effet est d’augmenter, de diminuer ou d’exclure la peine, n’auront cet effet qu’à l’égard de l’auteur, instigateur ou complice qu’elles concernent’), ao passo que perante o Código pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘Salvo quando elementares do crime.’ Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio”. Poucos notaram a mudança de posição de Hungria. Prova é que até hoje, mais de 20 anos depois, ele continua erroneamente sendo citado por quase todos os autores, inclusive por nós, como partidário da tese da incomunicabilidade. Nem o próprio Fragoso deu conta desse fato, pois em 1979, no mesmo volume da edição em que Hungria passou a aceitar a tese da responsabilidade do terceiro a título de infanticídio, ele, Heleno Cláudio, co-autor dos comentários, dizia: “Hungria inaugurou entre nós a corrente dos que entendem que o terceiro que coopera no delito comete o crime de homicídio. Sempre entendemos correta a lição de Hungria. Em conseqüência, o estranho que participa do infanticídio pratica o crime de homicídio” E nas edições posteriores da Parte Geral dos Comentários, o escrito firme de Hungria, ainda inalterado, continua expressando a abandonada orientação do mestre, ao apreciar o antigo art. 26 do CP: “Assim, a ‘influência do estado puerperal’ no infanticídio e a honoris causa no crime do art. 134: embora elementares, não se comunicam aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime, isto é, sem o privilegium”. Pena que Hungria não viveu mais tempo. Teríamos a oportunidade de colher outras lições de quem, considerado o maior penalista brasileiro e inquebrantável defensor de suas próprias idéias, fortaleceu com os anos a virtude da humildade de aceitar a opinião alheia, reconhecendo, como poucos fariam, um erro de quatro décadas. Deu-nos, como afirmou Heleno Cláudio Fragoso, um exemplo “magnífico de fidelidade à ciência e à cultura jurídica”.
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